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Congresso aprova Orçamento com corte em Previdência e Pé-de-Meia para inflar emendas em R$ 11,5 bi

Da Folha de São Paulo

O plenário do Congresso Nacional aprovou nesta sexta-feira (19) a Lei Orçamentária Anual de 2026 com uma série de cortes na Previdência e em benefícios sociais como Pé-de-Meia e Auxílio Gás para inflar emendas parlamentares em ano eleitoral.

As mudanças foram feitas pelo relator, deputado Isnaldo Bulhões (MDB-AL), sem explicações claras e com tantas idas e vindas que, ao final da votação, nem mesmo os técnicos sabiam dizer em quanto ficou o saldo final de emendas extras. A expectativa é que o valor tenha ficado entre R$ 10 bilhões e R$ 11,5 bilhões.

Em linhas gerais, o Orçamento aprovado prevê um superávit primário de R$ 34,5 bilhões no ano que vem, levemente acima do centro da meta fiscal (R$ 34,3 bilhões).

No entanto, esses números contabilizam receitas ainda incertas, como R$ 14 bilhões em Imposto de Importação (cuja medida ainda não foi editada pelo governo), ou que não foram aprovadas na mesma magnitude projetada, como o corte de benefícios tributários e o aumento na tributação sobre bets (casas de apostas), fintechs e JCP (Juros sobre Capital Próprio), mecanismo usado para remunerar sócios e acionistas de companhias.

O pacote tributário deve garantir uma arrecadação extra de R$ 20 bilhões, abaixo dos cerca de R$ 30 bilhões contabilizados inicialmente. Por isso, a perspectiva para o saldo das contas em 2026 está sujeita a revisões.

A proposta orçamentária foi aprovada em votação simbólica, com posição contrária apenas do Novo, minutos após ser chancelado pela CMO (Comissão Mista de Orçamento). O texto agora segue para sanção presidencial.

Com as mudanças feitas pelo relator, o montante total das emendas deve alcançar R$ 61,4 bilhões, um recorde histórico. O valor inclui R$ 26,6 bilhões para emendas individuais e R$ 11,2 bilhões para as bancadas estaduais —duas categorias com reserva obrigatória garantida pela Constituição. Há ainda R$ 12,1 bilhões para emendas de comissão e até R$ 11,5 bilhões em verbas extras infladas pelos congressistas.

Outra fatia das emendas de bancada estadual foi cedida para turbinar o fundo de financiamento de campanhas eleitorais, que tinha uma reserva de R$ 1 bilhão na proposta original do governo e alcançou R$ 4,96 bilhões após as alterações.

A maquiagem nas despesas obrigatórias, como as da Previdência, é grave porque, nos últimos anos, os valores incluídos pelo Executivo na peça orçamentária têm sido inclusive insuficientes para cobrir todas as necessidades —ou seja, a tendência seria ampliá-los nos próximos meses, na contramão da redução feita pelos congressistas.

As mudanças acenderam um alerta dentro do governo, e a ministra Simone Tebet (Planejamento e Orçamento) chegou a ir à Câmara dos Deputados para conversar com os parlamentares e tentar resolver o impasse, mas não obteve sucesso.

A sessão da CMO foi retomada, e os parlamentares governistas não esboçaram resistências à votação, confiantes de que o Executivo poderá depois fazer remanejamentos ou até vetar despesas carimbadas para emendas para recompor as despesas da Previdência. No entanto, esse tipo de medida tende a gerar novos desgastes para o governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT).

A Folha perguntou a Isnaldo qual foi o motivo do corte nesses gastos em seu relatório, mas não teve resposta.

Segundo interlocutores, os recursos cancelados foram remanejados para abastecer emendas extras, classificadas como se fossem despesas discricionárias do próprio Executivo (no jargão orçamentário, “RP 2”). Os novos gastos estão concentrados em três ministérios: Integração e Desenvolvimento Regional, Cidades e Saúde.

A manobra envolvendo despesas obrigatórias não é inédita. Em 2021, o então relator do Orçamento daquele ano, senador Marcio Bittar (na época eleito pelo MDB, hoje PL-AC), cortou mais de R$ 16 bilhões da Previdência para abastecer as emendas, medida que abriu uma crise entre Executivo e Legislativo.

Durante o processo de votação do Orçamento de 2026, nenhum parlamentar soube dar maiores explicações sobre as mudanças, a não ser sobre a recomposição de verbas para o Ministério da Defesa —cujos representantes atuaram durante a sessão para reverter as perdas. Mas o valor não foi indicado no relatório.

Além disso, parte das mudanças foi feita diretamente no plenário, e o texto foi votado sem que essa última complementação de voto tivesse sido amplamente divulgada, como seria o rito habitual.

Em seu relatório, Isnaldo propôs um corte de R$ 6,2 bilhões nos benefícios previdenciários. Com a mudança, os recursos reservados caíram de R$ 1,134 trilhão para R$ 1,128 trilhão.

Ele ainda reduziu R$ 436 milhões do programa Pé-de-Meia, que paga bolsas de incentivo à permanência de alunos no ensino médio. A política já havia perdido outros R$ 105,5 milhões durante a tramitação na CMO. Assim, os recursos reservados caíram de R$ 12 bilhões para R$ 11,46 bilhões.

O relator tirou outros R$ 300,7 milhões do programa Auxílio Gás dos Brasileiros, que paga a famílias de baixa renda o valor equivalente a um botijão de gás de cozinha de 13 kg, considerando a média nacional do produto, calculada pela ANP (Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis).

A política também já havia perdido recursos nos relatórios setoriais da CMO. No saldo final, o valor reservado caiu de R$ 5,1 bilhões para R$ 4,73 bilhões.

Também houve cortes de R$ 391,2 milhões no seguro-desemprego, R$ 262 milhões em bolsas da Capes (Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior), R$ 207 milhões no abono salarial e R$ 72 milhões em bolsas do CNPq (Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico).

O líder do governo no Congresso, senador Randolfe Rodrigues (PT-AP), minimizou os impactos negativos das mudanças e disse que o Executivo avaliará a peça orçamentária na hora da sanção. Ele afirmou que um acordo para manter a margem de remanejamento das despesas em 30% do aprovado foi importante —o relator chegou a cogitar um percentual de 10%, segundo o petista.

“No fundo eleitoral, no volume das emendas, nas demais despesas, o governo vai se reservar a possibilidade de vetar. Mas, no central, foi uma peça mais redonda do que ano passado”, afirmou.

Apesar do revés, a avaliação no governo é de que não haverá necessidade de grandes contingenciamentos de despesas (o instrumento é usado justamente para frear gastos quando há frustração na arrecadação), porque a margem de tolerância permite um saldo zero nas contas. Ou seja, mesmo com uma frustração de R$ 34,3 bilhões, o governo ainda cumprirá a meta.

O Orçamento aprovado ainda prevê R$ 79,8 bilhões para investimentos em 2026. Há ainda R$ 31 bilhões para o financiamento de programas habitacionais.

Na mesma sessão, o Congresso também aprovou 19 projetos relacionados a créditos orçamentários. Um deles destinou R$ 8,3 bilhões ao Fundo de Compensação de Benefícios Fiscais ou Financeiro-Fiscais, criados para compensar quem perdeu incentivos fiscais ligados ao ICMS na reforma tributária.

Também foi aprovado um crédito suplementar de R$ 14,4 bilhões, com quase a totalidade dos recursos destinada ao FNDCT (Fundo Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico). O repasse é um gasto financeiro, sem impacto nas regras fiscais.

O Congresso ainda deu sinal verde a um crédito especial de R$ 6,5 bilhões, dos quais R$ 500 milhões foram direcionados ao programa de fragatas da Marinha, e outros R$ 6 bilhões, para o novo programa de crédito subsidiado para a compra de caminhões.