Saúde

Cápsula ingerível monitora intestino e pode ser alternativa à endoscopia

Cientistas da Universidade da Califórnia (UC), em San Diego, nos Estados Unidos, usaram a tecnologia para desenvolver um sensor em forma de pílula que consegue monitorar o ambiente intestinal. A façanha pode propiciar conquistas interessantes: saber mais a respeito da composição dessa microbiota é um enorme avanço para a medicina. Além disso, um sensor ingerível tem potencial para ser uma alternativa menos invasiva aos exames tradicionais de avaliação do intestino delgado, como a endoscopia.
O pesquisador Patrick Mercier explica que observar os metabólitos do estômago e o trato gastrointestinal de forma simultânea ainda é pouco comum. “Essa é a primeira solução capaz de medir a dinâmica metabólica em tempo real dentro do intestino. Em última análise, ela fornecerá uma visão significativa para a pesquisa clínica e para os pacientes”, aposta o também coautor do artigo que detalha a solução tecnológica, publicado na revista Nature Communications.
Até o momento, o dispositivo só foi testado em porcos. A pílula mede 2,6cm de comprimento e 0,9cm de diâmetro e é composta por um circuito elétrico com um microchip integrado a uma antena. A cápsula, que não precisa de fios e bateria, funciona por meio de uma célula biocombustível que usa a glicose que encontra pelo corpo para fornecer energia que garanta o seu funcionamento. O sinal em frequência é emitido e transmitido para um receptor externo, que pode ser em um computador.
Ao mesmo tempo em que usa a glicose para funcionar, a célula de combustível mede as mudanças nas concentrações desse carboidrato a partir da energia extraída, o que pode, no futuro, ter utilidade médica. Nos seres vivos, a glicose é utilizada no processo de respiração celular, sendo vital no fornecimento de energia para o corpo. Professor do Instituto de Física de São Carlos da Universidade de São Paulo (IFSC-USP), Osvaldo Novais de Oliveira Junior explica que o processo que imita essa dinâmica natural é conhecido no meio acadêmico e apresenta algumas limitações. “Os detalhes dos organismos vivos têm mecanismos muito sofisticados e complexos para gerar energia, ao passo que as células combustíveis são mais simples”, assemelha.
Ainda assim, segundo Oliveira Junior, essas “células artificiais” têm diversas aplicabilidades, incluindo o funcionamento de automóveis. “Há um combustível que gera uma diferença de potencial, isto é, uma corrente, que vai trabalhar como uma bateria”, ilustra. Ele destaca que, por serem sem fio, os dispositivos implantáveis existentes precisam de baterias para operar, o que torna o projeto liderado pela UC inovador, inclusive pela função dupla. “Quanto mais glicose o organismo tiver, mais energia é gerada. Então, ao mesmo tempo em que faz a medição, o dispositivo usa a glicose para ter energia”, afirma.
Campos magnéticos
Outra dificuldade enfrentada pelos criadores do sensor ingerível foi como realizar a transmissão de dados para um computador sem fios ou cabos. Eles apostaram em uma técnica já existente de fornecimento de energia magnética entre dispositivos eletrônicos. Oliveira Júnior esclarece que a equipe utilizou um sistema em que bobinas magnéticas enviam sinais de uma parte do corpo para outro receptor usando o próprio corpo como guia. “Essas bobinas transformam o sinal elétrico que veio das células de biocombustível em um sinal que é transmitido sem fios”, indica.
O especialista brasileiro explica que o funcionamento é parecido com a tecnologia bluetooth, que usa radiação eletromagnética para transmitir dados — como de um fone de ouvido para um celular. No caso do sensor em cápsula, a solução é mais sofisticada. “No bluetooth, os sinais de rádio não passam pelo tecido humano, porque tem muita espessura. Na nova tecnologia, o sinal emitido pelo aparelho que estava dentro do intestino do porco foi detectado por um receptor externo”, compara. Graças a esse esquema de comunicação magnética, o dispositivo pode operar em uma faixa de 40 a 200 megahertz, o que impede a obstrução de sinal ou a perda de conexão.
Também foi um desafio proteger os componentes do sensor do ambiente intestinal. Para isso, os pesquisadores utilizaram um invólucro impresso em 3D e adaptado para ser, temporariamente, sensível ao pH do órgão. Com o tempo, o revestimento que serve para proteger as células de biocombustível se dissolve. Materiais feitos de silicone poliuretano, por sua vez, isolam a parte eletrônica, que é evacuada. Segundo Oliveira Júnior, um dos grandes percalços de dispositivos ingeríveis é a possibilidade de eles serem destruídos ou rejeitados pelo corpo. “O material da cápsula foi projetado para evitar que isso ocorra”, afirma. “Aproveitamos nosso trabalho anterior sobre as células de combustível à base de glicose e o adaptamos para sobreviver no estômago”, confirma Mercier.
Fita de papel acusa se carne está estragada
A putrescina é a molécula responsável pelo odor característico da carne podre. Porém, essa substância não faz mal somente ao nariz. Quando consumida em excesso, pode causar dor de cabeça, diarreia, vômitos e palpitações cardíacas. Um grupo de pesquisadores da Concordia University, no Canadá, desenvolveu um sensor que indica a presença da toxina. A expectativa é de que o dispositivo otimize práticas de segurança alimentar desde os processos de produção até a mesa dos consumidores.
“Queríamos fazer um dispositivo que qualquer pessoa pudesse usar, que fosse descartável e não contivesse materiais tóxicos”, conta Alaa Selim, autora principal do artigo que apresenta a tecnologia, apresentada na revista Applied Bio Materials. Para isso, a equipe usou uma proteína encontrada na natureza. Eles descobriram que a bactéria Escherichia coli produz a PuuR, que poderia ser usada para indicar a presença de putrescina.
Primeiro, a equipe fez testes em laboratório. A putrescina foi adicionada a um sistema livre de células que estava produzindo a Puur, e a solução colocada em um pedaço de papel com o biossensor. Passada uma hora, os pesquisadores descobriram que o dispositivo detectou a presença de putrescina. Quatro horas depois, os resultados indicaram que a leitura era altamente precisa.
A equipe, então, começou a testar o sensor em carnes bovinas. Eles compararam os resultados em pedaços do alimento em temperatura ambiente e refrigerados no freezer e na geladeira. As amostras conservadas no freezer e na geladeira apresentaram níveis baixíssimos de putrescina, enquanto os alimentos que foram deixados de fora tiveram altas concentrações da toxina, mostrou o dispositivo. Um exame de cromatografia — processo em laboratório que separa e identifica componentes de uma mistura — confirmou o estado dos alimentos.
Ainda não há previsão de quando a solução chegará ao mercado, mas a equipe está otimista e projeta, inclusive, outras aplicabilidades. “Como amostragem ambiental de contaminação por metais pesados e no diagnóstico do câncer e outras doenças”, ilustra Steve Shih.
Testes com porcos têm resultado promissor
O sensor ingerível foi testado em porcos porque, segundo os pesquisadores da Universidade da Califórnia (UC), o trato gastrointestinal suíno tem muitas semelhanças anatômicas e fisiológicas com o humano. Nos experimentos, inicialmente, as cobaias foram alimentadas com soluções ricas em glicose, para simular o consumo de alimentos. Depois, foram submetidas a jejum noturno durante a administração oral da cápsula. A equipe utilizou imagens de raios X para saber se a pílula havia chegado ao estômago dos animais e ao intestino.
Patrick Mercier, um dos autores do estudo, explica que o sensor permanece no sistema digestivo por um período semelhante ao de alimentos comuns. “Depois, é eliminado normalmente pelas fezes”, diz. Em relação às próximas etapas da pesquisa, Mercier conta que ele e os colegas pretendem diminuir o tamanho da cápsula, para que possa ser engolida facilmente por seres humanos. A equipe também aposta que o dispositivo poderá ajudar em estudos sobre o funcionamento do trato gastrointestinal de diversos tipos de pacientes. “Aqueles que sofrem de doença do refluxo gastroesofágico, de síndrome do intestino irritável, pessoas com problemas nutricionais e mais além”, projeta o pesquisador norte-americano.
Bernardo Martins, gastroenterologista do Hospital Santa Lúcia, em Brasília, pontua que a medicina sem fio tem proporcionado avanços nos procedimentos de diagnóstico no trato gastrointestinal. Segundo ele, existem, no mercado, tecnologias, como a cápsula endoscópica, que, através de microcâmeras, capturam fotos, durante horas, para registrar as imagens do trato gastrointestinal em 360 graus. “São níveis que a endoscopia digestiva alta e a colonoscopia, que é a baixa, não alcançam”, exemplifica.
De acordo com o médico, apesar dos benefícios, essa tecnologia ainda tem um preço alto. Além disso, Martins aponta que dispositivos movidos à bateria feita de metais pesados podem impactar negativamente a natureza. “Como estão na parte digestiva, acaba que são eliminados e podem ir parar no esgoto, contaminando o meio ambiente”, alerta. “Por outro lado, a pílula desenvolvida na pesquisa da universidade americana não utiliza baterias e é autoalimentada pela própria glicose do intestino.”
Via Diário de Pernambuco

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