Apesar de as vacinas terem alterado o curso da pandemia de covid-19, prevenindo a infecção, nem todas as pessoas podem se beneficiar delas, especialmente pacientes imunocomprometidos, como transplantados ou com neoplasias. Pesquisadores da Universidade de Cambridge, no Reino Unido, identificaram um remédio que evita a entrada do Sars-CoV-2 nas células, podendo ser uma alternativa às imunizações, beneficiando quem não tem acesso a elas. O medicamento, originalmente desenvolvido para tratar uma doença hepática, não tem patente e seu custo é baixo — dependendo da dosagem, pode variar de R$ 100 a R$ 200.
No estudo, publicado na edição on-line da revista Nature, a equipe do hepatologista Fotios Sampaziotis descreve um mecanismo até agora desconhecido que o vírus da covid-19 usa para chegar ao núcleo celular. Os cientistas também descobriram como evitar a infecção: a substância ácido ursodesoxicólico, ou ursodiol, fecha as portas das células, impedindo a entrada do micro-organismo e, consequentemente, a infecção.
Diferentemente das vacinas, que dependem do trabalho do sistema imunológico, o ursodiol, usado para uma doença hepática chamada colangite biliar, age em outra frente. Sem depender da identificação do vírus e o posterior ataque a ele, o remédio tem como alvo o “portão” localizado na superfície da célula, chamado ACE2, que esse e outros vírus utilizam para entrar no hospedeiro. A equipe de Sampaziotis descobriu que uma molécula conhecida como FXR regula a “porteira viral”, sendo capaz de abri-la ou fechá-la.
Em testes com organoides — culturas celulares mais complexas —, o ursodiol fez com que a FXR fechasse a porta para o Sars-CoV-2. O efeito foi comprovado em pesquisas com órgãos humanos doados, animais e em um pequeno grupo de humanos. Caso estudos maiores comprovem a eficácia da substância para prevenir a infecção, Sampaziotis acredita que um grande número de pessoas possa se beneficiar, seja porque têm um sistema imunológico enfraquecido ou por falta de acesso às vacinas, uma realidade de muitos países em desenvolvimento.
“Estamos interessados em encontrar formas alternativas de nos proteger da infecção por Sars-CoV-2 que não dependam do sistema imunológico e possam complementar a vacinação. Descobrimos uma maneira de fechar a porta para o vírus, impedindo-o de entrar em nossas células e protegendo-nos de infecções”, diz o cientista. Uma outra vantagem da abordagem, segundo Sampaziotis, é que, como o ursodiol não depende do vírus para prevenir a infecção, caso novas cepas da covid-19 tornem-se resistentes às vacinas, o medicamento poderia ser utilizado como complemento a elas, reforçando as linhas de ataque ao micro-organismo (leia entrevista).
Atualmente, o único medicamento utilizado para prevenir a covid-19 é um anticorpo monoclonal chamado evusheld. A substância, experimental, é prescrita para imunocomprometidos e pessoas que podem ter reação alérgica severa a algum componente das vacinas existentes. “Estudos mostram que o evusheld é eficaz contra a maioria das variantes circulantes. Mas pode ter um efeito menos neutralizante contra algumas variantes emergentes, particularmente aquelas que apresentam uma certa mutação em uma das proteínas spike da covid”, explica Lulette Tricia Bravo, especialista em doenças infecciosas da Cleveland Clinic, nos Estados Unidos, que não participou do artigo publicado na Nature.
O alto custo da droga também pode ser um impeditivo. No Brasil, o preço de venda para o governo ultrapassa R$ 8 mil, um dos argumentos usados pela Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias no Sistema Único de Saúde (Conitec) para não incluí-la na cobertura do SUS.
Via Diário de Pernambuco