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Bactéria transmitida pela picada de pulga modificou genoma dos humanos

Em meados do século 14, uma bactéria transmitida pela picada de pulga dizimou de 30% a 60% da população do norte da África, da Europa e da Ásia. Foi um evento rápido — de 1346 a 1350 —, mas que, pelo potencial de destruição da espécie humana, impactou genes associados ao sistema imunológico. Segundo um estudo publicado na revista Nature, a chamada peste bubônica conferiu resistência à praga, que ainda está presente no mundo, com ocorrências de surtos eventuais no continente americano, na Rússia e na Ásia. Ao mesmo tempo, a pior pandemia da história também parece ter aumentado a suscetibilidade a doenças autoimunes, como artrite reumatoide e Chron.
Causada pela Y. pestis e transmitida por pulgas infectadas, a peste assombrou o mundo pela primeira vez 800 anos antes, no reinado de Justiniano. Em dois séculos, estima-se que até 100 milhões de pessoas tenham morrido, o que ajudou a desestabilizar o poderoso Império Romano. Embora a bactéria seja a mesma que causou a mortandade medieval, a linhagem dos micro-organismos é diferente.
Quando o patógeno voltou a circular, depois de oito séculos em silêncio, foi como se a população euroasiática e do norte africano, agora bem mais numerosa, nunca tivesse tido contato com ele. Em quatro anos, o impacto demográfico foi tão grande que a peste, de acordo com o novo estudo, colocou uma pressão seletiva significativa sobre os humanos, alterando a frequência de variantes genéticas. Como comparação, a devastadora pandemia de covid-19 matou pouco menos de 2% dos habitantes do globo, desde o fim de 2019.
Pioneirismo
“Até onde sei, nosso trabalho é o primeiro a demonstrar que, de fato, a peste foi uma importante pressão seletiva para a evolução do sistema imunológico humano”, conta Luis Barreiro, professor de genética da Universidade de Chicago e coautor do estudo. “Há muito tempo se especulava isso, mas é algo difícil de se mostrar estudando as populações modernas, porque, desde aquela época até agora, os humanos enfrentaram muitas outras pressões”, diz.
Para resolver essa questão, os pesquisadores lançaram mão das tecnologias mais avançadas de sequenciamento, que permitem investigar, com precisão, o DNA antigo. Os cientistas utilizaram amostras coletadas de ossos de mais de 200 pessoas que moravam em Londres, na Inglaterra, e em cidades dinamarquesas, e que morreram antes, durante e depois que a peste passou por essas regiões, no fim da década de 1340. Eles direcionaram o estudo a um conjunto de 300 genes associados ao sistema imunológico, identificando quatro que, dependendo da variante, protegiam ou aumentavam a suscetibilidade à bactéria.
Um deles mostrou-se particularmente influente na resistência à Y.pestis. Trata-se do ERAP2. Pessoas que tinham duas cópias de uma variante chamada de rs2549794, produziam genes mais eficientes em comparação com uma versão que não consegue traduzir tão bem as instruções para a fabricação da proteína. Segundo Barreiro, o ERAP2 funcional ajuda o sistema imunológico a detectar uma infecção. “Quando um macrófago (célula de defesa) encontra uma bactéria, ele a corta em pedaços para serem apresentados a outras células do sistema imunológico, sinalizando que há uma infecção”, diz. “Ter a versão funcional do gene parece criar uma vantagem, provavelmente aumentando a capacidade do organismo detectar o patógeno invasor. Pela nossa estimativa, ter duas cópias da variante rs2549794 tornaria uma pessoa cerca de 40% mais propensa a sobreviver à peste, comparado àquelas que tinham duas cópias da variante não funcional.”
Em células cultivadas em laboratório, os pesquisadores testaram e confirmaram que a rs2549794 ajuda as células a combater a bactéria, enquanto que a variante não funcional é bem menos eficiente na neutralização do micro-organismo. “Examinar os efeitos das variantes ERAP2 in vitro nos permite testar funcionalmente como as diferentes versões afetam o comportamento das células imunes de humanos modernos, quando desafiados pela Yersinia pestis viva”, disse, em nota, Javier Pizarro-Cerda, diretor do Centro Colaborador da Organização Mundial da Saúde para a Peste no Instituto Pasteur, na França. “Os resultados apoiam a antiga evidência de DNA de que a rs2549794 é protetor contra a praga”.
Fonte: Diário de Pernambuco

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